Sombra: Há neste ponto, um acesso direto ao poder ancestral destrutivo, de tudo que não foi vivido nem superado na raiz coletiva-pessoal, de muitas vidas anteriores ao agora. O que pode levar o Eu a um processo instintivo e inconsciente (inconsequente) de invocar os mortos e tirar do armário os esqueletos de uma realidade paralela, sedenta de vingança ou compensação de todas as dores, que foram enterradas num passado mal-passado. Aqui encontra-se o gatilho da escolha por um caminho que (supostamente) se trilharia tranquilo sozinho e torna-se (à sua revelia) um caminho em conjunto, a toda raiz pessoal-coletiva, sedenta de reconhecimento e honrarias.
2° ano
Luz: Um novo caminho já se abriu e os primeiros passos já foram dados, agora a consciência segue firme em seu novo sentido. Não falta medo nem falta coragem, mas o novo é tão novo que começa a ir descascando essa alma, que segue sabendo que não será um caminho fácil. Por alguma razão, o mergulho para dentro mais parece um mergulho nas águas profundas do mar. Ou mais fundo ainda: no oceano de si mesmo. Um espaço infinito de múltiplas possibilidades e seres ora delicados ora assustadores, que ali coabitam em um meio muito incerto. Há sempre um perigo que ronda e sonda a consciência, o limite de onde começa e finda o Eu, que parece agora se decompor, trazendo uma sensação de fusão com o oceano de águas profundas (por ora turvas). Nesse infinito de si mesmo, surgem muitas dúvidas, incógnitas e mistérios. O encontro com o outro mais parece um delirante encontro com uma versão desconhecida e adormecida de um Eu, que nem sabe mais ser só eu. O outro chega tão encantador, com seu canto de sereia, que desnorteia toda tentativa de se manter são, nesse mundo onde agora tudo parece ser e acontecer em vão. Surge aí uma sensação de fragilidade, que em princípio nem existia, mais agora existe e é tão real, quanto o irreal de um mergulho no fundo do oceano mais profundo do Eu. Mesmo assim ele segue e (de surpresa) chega ao cerne da alma, e descobre que ali é exatamente o lugar em que também se pode brincar com o impossível, criar poderes mágicos, para lidar com todo ser ou susto que surgir pelo caminho. O caminho que não é mais um caminho, mas um mergulho no fundo de si mesmo, e é exatamente lá, onde é possível descobrir as mais belas pérolas, da essência do seu verdadeiro e secreto Eu.
E assim atravessa mais uma etapa dessa jornada.
Sombra: Abrem-se as portas aos infernos, que até então nem era sabido existir. Antes o que seria um mergulho, agora torna-se um afundar em terras movediças, onde não se sabe o amanhã. O tempo parece eterno, na dor de quem cava a cova de um ente querido, ou tão antigo, a ponto de nem se saber de sua existência. Mas que agora se faz aqui (sem remorsos) a cobrar uma dívida, que não era sequer sua. Abre-se um embate: um tempo de busca e fuga do que estava enraizado, e foi desenterrado como vivo, em uma realidade do agora infinito (um tempo sem tempo)... um embate ao reajuste cármico ancestral, de incorporação de um passado, que se faz presente; versus o Eu que busca estar liberto e viver o seu próprio Eu, sem amarras nem dívidas mal sanadas. É um tempo de dores sem delícias de ser quem se é.
3° ano
Luz: Mesmo ainda nadando em águas turvas, agora é possível chegar (por vezes) à superfície e tomar novo fôlego. Um novo olhar para além e para se deixar ver terra firme ou ser livre logo à frente. Só mais alguns mergulhos (ainda profundos) serão inevitáveis, embora com novos recursos e novos olhares para si e para o outro. Chegou a hora de tomar decisões e findar processos, que já estão saturados de buscas. Soltar bagagens, que não pertencem mais nem ao Eu nem ao momento. São bagagens de outros (tempos e seres), muito antigas, que perdem hoje o sentido que um dia tiveram. Um novo tempo sempre pede novos trajes e bagagens, já que um Eu que tanto viveu, precisa se renovar (um dia) e recomeçar. A bússola interna indica agora um outro norte e um novo destino, para esse Eu tão guerreiro, que agora só quer sossego. Nessa travessia da vida, as turbulências nunca findam, mas sempre é possível chegar mais forte a uma nova tempestade, quando se viveu e sobreviveu a tantas tormentas. Aqui a alma se sente mais sofrida ou abatida, cansada de tanto lutar. Talvez seja momento de reconhecer, que o tempo passa e desgasta um tanto o coração juvenil de um Eu guerreiro. Chegou o momento de dar uma pausa e reconhecer todo o trajeto percorrido, olhar para trás e ver o quanto se ganhou nessa jornada, e olhar para frente com a maturidade de quem carrega menos peso. O tanto que se mergulhou em si mesmo e o tanto que se superou a si mesmo. Pensamentos vão levando à deriva a consciência à terra firme e a se sentir mais livre, com um novo norte. A liberdade nem sempre equivale à situação ao redor, mas a tudo que o Eu foi capaz de amadurecer e reconhecer, que é a própria mente quem liberta a alma de toda restrição inconsciente.
E assim, ao fim dessa jornada, abre-se um novo tempo de transição.
Sombra: Há que se dar fim a toda dor e mesmo quando o poço está mais fundo que todo fundo, há que se ver luz. O fundo é onde não resta mais nada: o que tinha que ser arrancado já o foi, o que tinha que ser destroçado já deixou em carne viva, a alma que segue viva. Mas é justo lá, no fundo do poço profundo, que se pega impulso: o Eu recobra forças de buscar (mesmo que ainda em sonho) a chegar à superfície. Ainda há todo o oceano a se percorrer e toda dor a se superar, mas é tempo de escolhas e retomadas. É tempo de findar buscas e dores agudas, que rasgaram a alma e tornaram a vida menos colorida. Há que se preparar para um novo rumo e um novo norte mais à frente, em terra firme para ser livre.
4° ano
Luz: Surge aqui um novo norte, como redirecionamento final à jornada que se concluiu há pouco. Assim como um nó precisa unir duas pontas soltas, o novo destino busca ressignificar tudo o que veio à superfície, através dos mergulhos interiores, para assim jorrar esse conhecimento para o mundo. Surge naturalmente um movimento de verter os recursos internos em auxílio externo, a quem chega em busca de ajuda. Todo movimento de mergulho interior não foi em vão (embora muitas vezes parecesse que sim) e agora é possível compreender o sentido de tudo que foi vivido. A vida possui o seu próprio fluxo e permite chegar a sabedoria a quem precisa, gerando misteriosamente um elo entre aquele que muito viveu e aqueles que muito buscam saber viver. Claro que sabedoria não se ensina, mas a sabedoria de quem auxilia um outro, é que dá suporte para que esse outro Eu percorra seu próprio caminho, de encontro consigo. Unir essas pontas soltas, entre um ciclo que se finda e outro que inicia, é entender que o fim e o começo são partes fluidas de um mesmo processo. Saber percorrer essa transição, também faz parte da sabedoria sobre o tempo de cada coisa, percebendo que na natureza tudo é cíclico, e o fim de algo traz consigo o começo de um novo. Mesmo que muito se tenha vivido e muito se tenha sofrido, esse fôlego novo, que surge a cada começo de ciclo, é que mantém uma alma mestra seguindo na vida com o encanto de uma criança. Sempre se guiando e se motivando a deixar tudo seguir seu próprio caminho.
Assim mais uma nova jornada se inicia.
Sombra: Uma alma ferida nem sempre finda o que precisa de fim e nem sempre cura o que já está em tempo de cicatrizar. A ferida se mantém aberta e pode estar sempre purgando o que foi vivido e está antigo no agora. Um ciclo pode anunciar que findou o tempo de dor, mas a alma ferida pode não acompanhar o tempo e viver de lamento, por um outro tempo infinito de dor. Há que se abrir caminho no interno, para ser possível percorrer um novo caminho no mundo. Desatar nós de dores e se permitir unir fins e começos em novos laços, novas aberturas a surpresas, e ao acaso dessa nova jornada.